quarta-feira, 24 de agosto de 2016


A despeito do muito que já foi dito sobre A BRUXA (dirigido pelo estreante em longas-metragens Robert Eggers) desde que o filme estreou no Festival de Sundance no ano passado (de que trata-se de um grande filme de terror psicológico que não recorre aos sustos comuns do gênero – como as tomadas bruscas de câmera sobre a trilha sonora densa – e que volta-se a um expectador que procura menos pela leitura fácil e objetiva do filme e mais pelo pensar aquilo que se viu), adiciono o que ficou para mim depois de sair do cinema. O filme realmente ganha ainda mais vida se tratado como um poderoso drama sobre família e religião e menos sobre o efeito suspense/terror que necessariamente deve deveria exercer sobre o expectador. O subtexto do clã que é obrigado a abandonar sua comunidade – fechada e presa a fortes preceitos religiosos (!) – por semear em seu núcleo princípios ultra-religiosos (!!), encontra na alegórica figura da bruxa que intercepta seus caminhos após fixarem-se nas proximidades de uma floresta absurdamente cinza e fria, a dissolução de seus cânones patriarcais, brevemente sintetizado pela observação de seus quatro principais personagens:

- O pai: a derrocada de seu posicionamento patriarcal é visto em diversas situações, mais fortemente ilustradas através das atividades que ele mal consegue executar, como a subsistência de sua prole – ele sequer consegue caçar um coelho sem ferir-se; sua função é substituída pelo uso da força bruta no corte lenha (na qual ele sucumbe).

- A mãe: a lógica patriarcal da submissão ao marido é quebrada ao condicionar à filha mais velha as atividades nas quais a ela obrigatoriamente pertenceriam, como cuidar das roupas do marido (inclusive despi-lo para lavar as vestes no riacho) ou transferir os cuidados com seus filhos (a culpa por não fazê-lo pessoalmente virá, primeiramente, com o sumiço do filho caçula, ainda bebê).

- O filho: o desejo sexual reprimido pela religiosidade vai encontrar efeitos mais reflexivos com a puberdade que se inicia e o interesse pela irmã mais velha, que ele próprio não acredita estar acontecendo; em seu desfecho, torna-se objeto de fixação pela mãe e de sua morte extrai-se a representação do clímax do sexo – o orgasmo (proibido).

- A filha: a última a deixar o tribunal da comunidade de onde o clã foi expulso – é puxada pelo irmão, como se fosse obrigada a seguir por um caminho que não quer -  Thomasin é a amarra que une as deturpadas formas de relacionamento entre seus familiares. Sua cena final ressoa o forte desejo de liberdade daquilo que o pai impôs à família.

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