sexta-feira, 12 de julho de 2013



Em A ESPUMA DOS DIAS, o diretor francês Michel Gondry leva ao extremo as excentricidades visuais e narrativas que já faziam parte de seus trabalhos anteriores, como BRILHO ETERNO DE UMA MENTE SEM LEMBRANÇAS e SONHANDO ACORDADO.  Cada vez mais infiltradas no processo de contar a história do filme, as ‘estripulias’ ganham forma e conteúdo impressionantes que, inicialmente, podem até assustar o espectador menos acostumado à esfuziante criatividade com que Gondry constrói seu universo – que dessa vez, é adaptado da obra homônima do autor francês Boris Vian, e não é exagero dizer que poderia ser encarado como uma sucessão de pinturas de Salvador Dalí em movimento.

Em pouco mais de duas horas, Gondry abusa do surrealismo para formular a representação de um mundo novo e fantasioso, uma Paris que desafia as leis da física e da qual lógica e racionalismo não fazem parte. Nesse aspecto, a sequência de abertura é fundamental para entender o filme: nela, uma equipe de datilógrafos se reveza na escrita da narrativa da vida do protagonista, Colin, no exato momento em que as palavras passam a virar ações, como um personagem da literatura que ganha vida real – Gondry retoma o espaço da sala da datilografia em momentos pontuais ao longo do filme, a mais genial delas quando Colin tenta fazer parte da equipe de digitadores, como se quisesse passar a controlar sua própria vida, que saiu completamente de seu controle.

a espuma dos dias

Colin (Romain Duris) é um bon-vivant que vive de uma quantia que tem na poupança (sem nunca ter precisado trabalhar) e mora em uma confortável residência cheia de aparatos ultra tecnológicos, que ganham vida ou dialogam com os personagens sobre uma ótica anacrônica, completamente distante da realidade do nosso tempo. Contratou seu advogado como cozinheiro e conselheiro (Omar Sy) e dá uma importância grande à sua condição financeira (sua relação com seu cofre é primordial pra se compreender onde Gondry quer chegar), esbanjando em jantares regados à comidas e bebidas exóticas. No entanto, Colin vê todos ao seu redor completamente apaixonados e decide que precisa seguir o mesmo caminho e em uma festa ele conhece a jovem Chloé (Audrey Tatou), e do primeiro encontro (que o leva às nuvens, literalmente) logo decidem se casar. A felicidade avassaladora de uma vida boa se esvai quando a esposa descobre uma doença: uma flor de lótus cresce em seu pulmão e o tratamento é urgente e necessário (uma metáfora linda, mas não menos dolorosa para o câncer), transformando a vida dos dois em completa melancolia.

Da alegria à depressão, Gondry capta sua trama com profundo domínio do espaço, mostrando a degradação da vida dos personagens a partir da depreciação da residência do casal, que aos poucos vai perdendo partes e se tornando completamente disfuncional – como uma vida acometida por um problema de saúde. Inúmeras outras metáforas são construídas ao longo do filme, cada uma mais deliciosa e imbuída de uma mistura ironicamente poética, capaz de retratar com exatidão o sentimento daquilo que se quer contar, em especial nos episódios do cotidiano dos personagens (como alguém que “corre tanto que parece querer fugir da própria sombra” ou que “fica de cabelos brancos de tanta preocupação”).  
Nesse tempo e espaço indefinido, Gondry entrega ao espectador uma fábula praticamente irretocável sobre o esse gostinho agridoce que a vida faz questão de nos lembrar todos os dias.






A ESPUMA DOS DIAS
(l'écume de jours, frança, 2013, de michel gondry)




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A ESPUMA DOS DIAS está em cartaz no Cine Jardins s e os horários e salas podem ser conferidos aqui.

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